Veículo artesanal construído em grande quantidade em Alto Paraíso (RO), o jerico é uma incrível manifestação de criatividade popular na área automotiva, à altura das transformações realizadas em Pernambuco pelos toyoteiros. Descendente direto das carretas agrícolas gaúchas, rústicos caminhões rurais de uso difundido nos estados do sul, foi levado para Rondônia pelos agricultores sulistas que ocuparam o estado, em grandes levas, a partir da década de 70.
O primeiro jerico de Alto Paraíso teria sido obra do catarinense Lino Bogorni, em 1983. Os carros são montados a partir de componentes usados, geralmente Jeeps, picapes e Rurais Willys, dos quais aproveitam o chassi e a transmissão 4×4; é freqüente a instalação de terceiro eixo morto, aumentando a capacidade de carga para 2,5 t. O motor é sempre diesel, de baixa potência – em torno de 15 cv – e reduzido consumo, com um ou dois cilindros refrigerado a ar, normalmente das marcas Agrale e Yanmar, acoplado à caixa de marchas por polias e correias. Com tal mecânica a velocidade máxima não ultrapassa 25 km/h e o gasto de diesel fica limitado a um litro para cada 20 km. Não há capô: a cabine, sempre aberta e construída de madeira, se limita ao assoalho, a um ou dois assentos (muitas vezes também de madeira), um para-choque e dois para-lamas.
Em 2007 a prefeitura estimava a existência de 1.800 jericos no município, contra cerca de 330 automóveis e picapes “convencionais”. Cada carro era diferente do outro. Há mais de dez oficinas na cidade construindo jericos; a mais estruturada delas é a Fábrica de Jericos San Remo, de Sílvio Stedile, funcionando desde 1991, que revisa e restaura todos os componentes usados, comprados a quilo em ferros-velhos do Mato Grosso ao Paraná. Grande parte dos motores estacionários vem de garimpos da própria Amazônia. Nos seus carros, como nos dos demais “fabricantes”, faróis, setas e partida elétrica são opcionais.
Tão arraigados estavam esses veículos na cultura local, que quase que espontaneamente começaram a surgir competições entre construtores. O sucesso foi imediato, levando à institucionalização da Corrida Nacional de Jericos Motorizados, disputada a cada mês de fevereiro no jericódromo de Alto Paraíso, em pista de lama com 580 m de extensão. Hoje na sua 13aedição (2014), a corrida é organizada por categoria, com prêmios em dinheiro; os únicos itens de segurança obrigatórios são cinto e capacete. Com o tempo, começaram a aparecer na competição carros com motor traseiro, construídos sobre plataforma e com mecânica Volkswagen, que vem obtendo bons resultados nas provas. O mais criativo deles, montado pelos irmãos Miller, ganhou tração nas quatro rodas a partir de componentes Volks de várias origens (Kombi, Gol, Passat), cardã do Chevrolet Opala e motor diesel Yanmar de um cilindro. A plataforma original, reforçada com longarinas, recebeu um assento em posição central e um simples assoalho de tábuas de madeira.
A prefeitura de Alto Paraíso trata o rústico carro e suas corridas como atração turística, anunciando a cidade como “Capital do Jerico – a Fórmula I da Amazônia“.
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